Primeira pregação quaresmal de Frei Cantalamessa: precisamos de um retorno à interioridade
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Cidade do Vaticano (RV) - Encontrar tempos para o
silêncio, praticar o jejum não somente do alimento, mas também dos
excessos do bem-estar, vencer aquilo que desvia da vontade de Deus. A
Quaresma do cristão deve ser feita disso, disse o frade capuchinho, Pe.
Raniero Cantalamessa, na primeira das meditações propostas à Cúria
Romana.
O pregador da Casa Pontifícia ofereceu na manhã desta
sexta-feira, na Capela Redemptoris Mater do Palácio Apostólico, uma
reflexão sobre o sentido dos quarenta dias que precedem a Páscoa. Nas
próximas sextas-feiras, na presença do Papa, desenvolverá as grandes
verdades da fé recorrendo aos ensinamentos dos Padres da Igreja Latina.
Do
Evangelho à vida de cada um de nós: se Jesus apartou-se no deserto
durante 40 dias, jejuou e ali foi também tentado, o que cabe a nós fazer
para imitá-lo? O religioso franciscano fez a transposição dos gestos de
Cristo para o nosso hoje; assim, para nós, ir para o deserto é escolher
tempos de silêncio, encontrar espaços para nós mesmos, reencontrar a
parte mais verdadeira de si colocando-se diante de Deus. Em suma, é o
apelo do retorno ao coração, lançado por Santo Agostinho:
Portanto,
voltar ao coração significa voltar àquilo que há de mais pessoal e mais
íntimo em nós. Infelizmente, a interioridade é um valor em crise...
existem causas remotas, por assim dizer, para essa nossa dificuldade de
reentrar em nós mesmos e a mais universal é o fato que nós somos
compostos de alma e corpo, de espírito e matéria e, portanto, somos como
um plano inclinado, mas inclinado para baixo, não para o alto, ou seja,
inclinado para o exterior, para o multíplice, o visível..., sobretudo
nós, clero e vida consagrada, precisamos de um retorno à interioridade."
E
então é preciso abandonar o fragor, as distrações, as diferentes formas
da cultura moderna, os instrumentos da tecnologia e, portanto,
revistas, livros, tv, internet e dispositivos digitais que invadem a
intimidade do coração, dissipam as nossas energias. Esse se torna o
jejum a ser praticado hoje. Jesus privou-se do alimento, nossa época
requer um jejum diferente:
"
Hoje, o jejum mais significativo
se chama … sobriedade … privar-se voluntariamente de pequenas ou grandes
comodidades, daquilo que é inútil e por vezes danoso à saúde. Esse
jejum é solidariedade com os pobres ... um tal jejum é contestação a uma
mentalidade consumista, num mundo que fez da comodidade, do usar, do
uso, do comprar, a sua finalidade, o mecanismo que mantém de pé todo o
sistema. Privar-se de algo não estritamente necessário, do objeto de
maior luxo, é mais eficaz, talvez, que infligir-se penitências
escolhidas por si mesmo."
O pregador da Casa Pontifícia
recomenda, sobretudo, o jejum das imagens, daquelas que veiculam
violência, sensualidade, que investem nos instintos mais baixos e que
dão uma falsa ideia da vida, porque ilustram um mundo bonito, sadio e
perfeito, rico de coisas a ponto de induzir à rebelião aqueles que não
têm o que é insistentemente mostrado:
"
Outro jejum alternativo
é o jejum das palavras nocivas. Não são somente blasfêmias,
naturalmente, nem mesmo somente palavrões; são as palavras pungentes,
negativas, que evidenciam sempre o aspecto mais frágil do irmão, que
geram desconfiança ou alimentam desconfiança e, portanto, semeiam
discórdia."

Deve-se, então, evitar aquilo que pode gerar
descontentamento, frustração e ressentimento, ou neutralizar o efeito
das palavras que ferem pedindo desculpas. Por fim, Frei Cantalamessa
recordou que também nós sofremos as tentações de Satanás, propriamente
como Jesus no deserto. Inteligência perversa e geradora de perversão, o
Diabo usa coisas boas como instrumentos para separar o homem de Deus.
Então
o dinheiro é uma coisa boa, se usado corretamente, e a sexualidade é um
dom de Deus, mas se levados ao excesso se transformam em ídolos e se
tornam destrutivos. Então ir para o deserto é buscar um diálogo profundo
com Deus separando-se de tudo, explicou Pe. Cantalamessa.
"Deus
quis em Cristo assumir um rosto humano, um coração humano, para
ajudar-nos a amá-lo como nós sabemos amar – concluiu o pregador da Casa
Pontifícia –; o Espírito Santo que impeliu Jesus para o deserto, hoje
nos impele também a nós para o deserto, para reencontrar-nos com Deus."
(RL)